Os três lobos da estepe e a aprendizagem do mistério*

O romance O lobo da estepe, de Herman Hesse, chama a atenção em sua abordagem do homem e suas questões. Sem uma estrutura necessariamente conceitual, sistemática ou “filosófica”[1], nos leva a pensar vida e morte através do caminho percorrido por seu protagonista, Harry Haller. É apontado, inclusive, no prefácio de Ivo Barroso, que as iniciais coincidentes com as do autor seriam uma indicação de inspiração auto-biográfica. Hesse, escritor alemão, era filho de pais missionários protestantes que tinham pregado o cristianismo na Índia. As influências ocidentais cristãs e orientais indianas são presentes em sua obra e na busca de um pensamento próprio acerca das doutrinas morais e religiosas.

Não é esse, no entanto, nosso assunto de maior interesse. A submissão da obra à biografia do autor nos parece redutora das possibilidades de pensamento inauguradas pela leitura – um processo sempre singularíssimo. O que nos propomos a encaminhar aqui é uma interpretação da narrativa de Harry Haller e seus diferentes modos de encarar o homem e o lobo que vê constituir sua alma, considerados por nós o tema maior da obra. Barroso, em seu prefácio, propõe, a partir de uma consideração formal, ser O lobo da estepe um romance composto em três partes, baseado no fato de termos, a princípio, um “Prefácio do editor”, escrito por um rapaz da convivência do protagonista; o relato do próprio protagonista, que compõe a maior parte do romance; e, dentro deste, o “Manifesto do Lobo da Estepe”, um texto entregue por um desconhecido ao protagonista no meio da rua – chamado por Barroso de amostra de “surrealismo avant la lettre[2]. Segundo ele, comporiam os três textos as três visões do lobo da estepe dentro do livro.

Não é essa, no entanto, a perspectiva pela qual nos guiaremos aqui. Embora, formalmente, constituam três perspectivas diferentes, nosso foco aqui se dá nos três diferentes movimentos executados por Harry Haller enquanto narrador e crítico de sua própria história e seu pensamento. O primeiro, logo no início do livro, reflete o homem encarado como ser em sociedade. O segundo tem sua perspectiva ampliada à medida que considera o homem e a vida como experiência estética. Já o terceiro, em que Haller é levado a encontrar seu caminho de plenitude, consideramos a que pensa o homem e a realidade de um modo original e originário, na perspectiva do Teatro Mágico. Tal “lugar surrealista” é visitado no final do livro pelo protagonista que muda seu modo de encarar sua vida, seu homem e seu lobo. Mas serão apenas um homem e um lobo de que falamos aqui? De que se trata um lugar surrealista? Gostaríamos de desenvolver tais questões no momento adequado.

O lobo da estepe: o livro cuja leitura causou febres a Clarice Lispector; Harry Haller, o personagem marcado pela cisão, pelas cisões. Mas que são as cisões do personagem ou, ainda, quem é este personagem Harry Haller, cindido? A própria letra H, duas vezes em seu nome: as duas colunas, uma de cada lado, de alguma forma unidas pela haste horizontal. E os pilares do lobo da estepe, como se unem? Quais são eles, os pilares?

Podemos nos aproximar de Harry Haller? Cremos que sim e, para isso propomos três incursões. Pensamos: a que interior nos cursamos? O interior do livro? O de Harry Haller? O de nós mesmos? Talvez os três. Talvez o interior daquilo que, dos três, se identifica.

Como ler as cisões de Harry Haller e as nossas cisões? Fica claro que o que aqui buscamos, para além de uma discussão estético-formal de O lobo da estepe, é uma aproximação da obra enquanto se coloca a questão: como pode cada um de nós fazer a experiência de ser homem e ser lobo enquanto leitor, ou seja, de acompanhar o percurso de Harry Haller na descoberta de si mesmo e de nós mesmos? Há sempre a possibilidade de fazê-lo a cada vez que lemos e a cada novo leitor que abre o prefácio e se inicia nos mistérios lupinos. Ou será possível que não? Já não seríamos todos nós já iniciados no lobo porque homens? De certa forma, sim. Por outro lado, não. É preciso reiluminar o caminho que a obra desenvolve entre homem e lobo, mas de que forma? Se já nos tomarmos por sabedores do que é homem e do que é lobo antes mesmo da leitura, a obra não terá muito a nos revelar. A luz que ilumina a possibilidade da experiência inaugural da leitura surge justamente em nossa assunção: ainda não sabemos o que somos. Não é como se nos propuséssemos a delimitar as experiências; de maneira alguma. Muito mais, buscamos encaminhar a questão: o que é aquilo que é próprio tanto a nós quanto a Harry Haller, como homem – da modernidade? da civilização? – que nos cinde e nos dói?

Primeira incursão

Harry Haller está cindido: sua alma se divide entre homem e lobo. Implica: nós estamos cindidos. – Estamos? – poderá se perguntar algum leitor. Somos homens da civilização e, como tais, estamos obrigatoriamente cindidos, assim como Harry Haller. Temos em nós homem e lobo brigando pelo comando de nossos pensamentos e ações. Mas o que é essa cisão que a civilização nos impõe ou, melhor dizendo, em que momento ela se origina? Sabemos que o homem nem sempre viveu como vive hoje, nem sempre houve civilização como a conhecemos. Se voltarmos à idéia do homem primitivo, arcaico, podemos ter alguma visão diferenciada do que somos hoje.

O homem primitivo, aquele que vivia na natureza, não conhecia a civilização. Sua vida não era necessariamente guiada por princípios morais, regras ou leis, mas por suas chamadas necessidades vitais, seus instintos. Freud os esquematizava – e cabe aqui lembrar o perigo da simplificação esquematizadora da complexidade do homem – em Eros e Thanatos. Segundo ele, seriam, respectivamente, os instintos de procriação, união, prazer e amor e, do outro lado, os instintos de separação, destruição e agressividade. No homem primitivo, diz ele, tais instintos têm livre escopo de ação. No entanto, a partir de determinado momento, eles passam a ser cerceados pela vida social. De onde surgem os princípios, as regras e as leis da civilização? Para atender a que necessidades ela passa a ser parte da vida humana? Ou estaria nosso próprio modo de questionar comprometido com um pensamento que só compreende aquilo que se encaixa na relação de causa e conseqüência e seria a civilização também algo de natural? Posterguemos, por ora, essa questão.

O problema que a civilização aparentemente chega para resolver constitui o seguinte: o homem, na natureza, apesar de toda a liberdade, está à mercê das forças de destruição da natureza e, na forma de desastres naturais, tempestades, animais selvagens, e do impulso de destruição do próprio homem. Para Freud, nesse ponto, a civilização se origina das vantagens trazidas pela cooperação, o que se explica de modo muito simples: dois homens se protegem melhor do que um; a união faz a força. O homem, assim, se civiliza, na busca de proteção e conforto.

Harry Haller, por um lado, tende à civilização. Busca na pensão burguesa em que mora o “cheiro de calma, de ordem, de limpeza, de decência e de domesticidade”[3]. O quanto isso lhe custa? O quanto isso nos custa em nossa experiência de nos fazer Harry Haller? De quanto somos privados? Não podemos fazer livre uso daquilo que a natureza nos provém; não podemos agir entre homens sem obedecer a certas regras ou ao menos sofrer punições quando não as obedecemos. Seria Harry Haller um desses a quem a restrição fez com que lhes seja “difícil ser feliz nessa civilização”[4], porque, dividido entre lobo e homem, não alcança equilíbrio?

Daí o lobo da estepe: a metade de seu ser que Harry Haller chama de “animal selvagem, coberto apenas com um tênue verniz de civilização”[5]. Não constitui um lobo em pelo e osso e carne, mas aquela parte de si que se sente brutal, animalesca, selvagem, por oposição ao humano, polido, civilizado. Diz ele que sua alma alterna entre os dois estados, e, sempre que uma age, a segunda está à espreita exercendo críticas. O homem condena a brutalidade e a impetuosidade do lobo; o lobo faz pouco da acomodação e mediocridade do homem.

Dá-se aqui, no pensamento que a erudição de Harry Haller é capaz de conceber e da crise que a partir dele se orienta, uma relação semelhante àquela que vemos no filme Dança com lobos[6], em que o tenente americano John J. Dunbar, desenganado da civilização de seu tempo e da guerra, conhece uma vida de lobo da estepe quando fica sozinho em seu posto de vigia em território inóspito e trava contato com uma tribo de índios Sioux. Aparentemente, ele entra em contato com aquilo que há de mais natural e bruto em si ao se livrar da civilização. Nessa volta à natureza, se apaixona por uma mulher e teria mesmo sido feliz para sempre no reencontro de sua natureza, não fosse pela civilização em seu encalço: os oficiais americanos, na conquista do Oeste e a conseqüente expulsão dos povos nativos massacram a tribo em que estava vivendo Dunbar. Diz-nos, no entanto, o próprio “Manifesto do lobo da estepe”: “Com a volta à natureza, o homem vai sempre por um falso caminho[7]”; alienar-se daquilo que em si cheira a civilização é sempre esquecer-se de parte de algo que inalienavelmente constitui o homem: a recriação daquilo que a natureza lhe oferece, quer o chamemos civilização, cultura ou artificialidade.

É como se fôssemos todos divididos em dois: impulso e cerceamento, ou natureza e civilização. Sabemos, no entanto, que este modo de pensar está comprometido com o mesmo binarismo de divisões como bem e mal. Tal tipo de pensamento não só não se aplica a ente algum por menor que seja sua complexidade – dentre eles o homem–, mas também se engana ao pensar a civilização por oposição à natureza, quando na verdade – e não cansamos de nos esquecer disso – todo artifício humano, toda construção, todo homem, não vigora senão pelas possibilidades oferecidas pela própria natureza. Toma-se por certo o que são a civilização e a natureza como entidades distintas, deixando de lado a forte referência dinâmica existente entre as duas. O pobre homem, o dito homem natural e puro, fica assim privado de qualquer possibilidade de ação cultural, pessoal, social, já que essas seriam tomadas como entidades artificiais ao invés justamente daquilo que são: manifestações do próprio modo de ser do homem na realidade.

Nossa problema se arraiga ainda mais profundamente do que pensamos: na raiz de nossa língua. O que está por trás de nossa visão dicotômica de natureza e civilização se torna claro quando a comparamos ao modo de pensar de uma língua antiga como a grega, cujo pensamento antecede as variadas prioridades utilitárias que deram origem às nossas línguas modernas. O que em grego se traduziu por natura em latim – nos textos literários, filosóficos e quais outros de fundamental importância na construção do modo de pensar de uma época, de um povo, de um homem – se dizia em grego phýsis. Quando temos consciência de que o que se apropriou do povo grego pelos romanos não foi apenas um empréstimo, mas também “uma remodelação[8]” causada pela transposição de palavras vinculadas a todo um modo de pensar direcionado a objetivos próprios, ficamos igualmente surpresos ao constatar que phýsis não contém qualquer oposição à civilização, assim como pólis, a cidade – aquela de que Platão fala em seu diálogo mais famoso que chamamos República –, não é o contrário de natureza. Que fazer, então, da cisão de Harry Haller? Como aproximar homem e lobo sem perder de vista o caráter tensional e nunca dicotômico da realidade? Sabemos e mantemos: os dois pilares da letra H se aproximam. Podemos dizer, porém, que se fundem e sintetizam? Certamente não; isso seria a eliminação da diferença fundamental no diálogo constituinte da realidade de Harry Haller, do homem, da realidade. Há que se pensar, no entanto: que são os pilares do H?

Segunda incursão

Vimos na primeira incursão que o pensamento que divide Harry Haller entre natural e civilizado, bruto e polido, não é suficiente nem para ele, que permanece frustrado com as próprias limitações da bipartição em que sistematizou sua alma, nem para nós, que o percebemos problemático à medida que se fundamenta em uma divisão ilegítima, a saber, aquela proposta entre natureza civilização. Como então encaminhar as questões do homem Harry Haller, as nossas questões?

A partir de certo momento do romance, vemos que sua dor é de outra ordem. Isso fica mais patente no trecho do “Manifesto do lobo da estepe”, um ensaio a respeito de Harry Haller, seu pensamento, seus problemas. Contudo, se prestarmos atenção, veremos que esse modo de pensar já é sinalizado em momentos anteriores, em que chega a se confundir com aquele desenvolvido em nossa primeira incursão. Aponta ele uma divisão diversa da que vimos anteriormente: aquela existente entre divisão e fusão.

A dor de Harry Haller não é mais a dor do homem mascarado pela civilização de seus instintos, mas a dor daquele, uma vez tendo feito a experiência transcendental de fusão com o uno primordial, sofre de nostalgia desta. Mas nostalgia do quê? Que experiência é essa? Em nosso auxílio vem o pensador que diz que é “a arte – e não a moral – (...) a atividade propriamente metafísica do homem”, e que “a existência do mundo só se justifica como fenômeno estético”[9]. Não se trata aqui, no entanto, da idéia da experiência estética de mera fruição do belo como um conjunto de características ou conceitos universais geradores de prazer. Harry Haller se diz experienciar “grandes comoções, grandes dádivas, que me transportavam a mim, o extraviado, de volta ao vivo coração do mundo”[10] ao ouvir um concerto de música antiga, ler poesia, meditar sobre Descartes. Esse achado do “trilho de Deus em meio à vida que levamos[11]” se relaciona fundamentalmente ao pensamento que fala de nossa experienciação de mundo – ainda justificado como fenômeno estético – na alternância de dois impulsos: o apolíneo e o dionisíaco.

Apolo, aqui, é o deus da experiência do “homem colhido no véu de Maia (...), apoiado e confiante no principium individuationis [princípio de individuação]”[12]. Trata-se daquilo que nos torna entidades diferentes, pessoas diferentes, na chamada ilusão da realidade em que vivemos. Essa individuação, no entanto, diz-se dolorosa para o homem, que, de alguma forma, intui que é parte e não todo, que há a possibilidade da transcendência da chamada ilusão aparente em direção à fonte primordial, à origem essencial do mundo. Essa saudade da indiferenciação e da dissolução com o infinito originário se suspenderia nos momentos de experiência estética, como os de Harry Haller, em que o homem

é transviado pelas formas cognitivas da aparência fenomenal, na medida em que o princípio da razão, em algumas de suas configurações, parece sofrer uma exceção. Se a esse terror acrescentarmos o delicioso êxtase que, à ruptura do principium individuationis, ascende do fundo mais íntimo do homem, sim, da natureza, ser-nos-á dado lançar um olhar à essência do dionisíaco[13].

O pensamento de Nietzsche parece intuir algo de novo: a presença – ou o fazer-se presença – de uma força para além da realidade mundana, cotidiana, tal qual o homem a experiencia. Mais do que isso, ele aponta para a possibilidade de o homem, através da arte, alcançar um ultrapassar da medida e da limitação da aparência individual no auto-esquecimento do estado dionisíaco em que o desmedido se revela como “a verdade, a contradição”[14], a própria união com o Uno-primordial. É a possibilidade de abandono de tudo aquilo que soa como aparência de individualidade na direção do êxtase da dissolução com aquilo que transcende nossa limitada experiência humana de indivíduo. Seria, no entanto, nossa experiência humana necessariamente algo de limitado? Ainda não nos encontramos em momento propício ao desenvolvimento dessa questão. Continuemos, por ora, nossa exposição.

Nietzsche aponta o mito do rei Midas, que, ao perguntar a Sileno qual dentre as coisas era a melhor e mais preferível para o homem, ouve: “O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”[15]. Pensamento semelhante é o de Harry Haller: inclui-se a si mesmo na “classe dos suicidas”, os homens que, mesmo que talvez nunca chegassem a se matar, tinham sempre na perspectiva – e opção – da morte a melhor saída do doloroso mundo da individuação, em que não mais se pode escolher não ter nascido quando já se é vivo. Mas o que seria esse nada ser apontado por Nietzsche? Que lugar é esse onde vige o nada? A própria idéia nos parece estranha, a idéia de haver um lugar em que encontraríamos o nada desse uno primordial. Ora pois: se algo já é um lugar, certamente deixou de ser nada. Onde se encontra esse nada para que não deixe de ser nada? Ou, ainda, é possível o nada manter seu caráter de nada e estar em algum lugar? Nietzsche nos aponta, no entanto, que é o próprio nada essa distante origem com a qual nós, homens, buscamos fusão. Pensemos em estar no nada. Pronto, estamos lá e ele deixou de ser nada. Todavia, é ele a origem de toda nossa “aparente” realidade. Onde está ele então?

O nada não pode ser um lugar ou um nada deslocado. Essa origem descrita através da polaridade dionisíaco e apolíneo, por mais que o tente evitar, não consegue se dissociar do pensamento metafísico cristão do Deus criador que, após criar o universo, descansou no sétimo dia. Esse Deus só é possível num mundo em que as coisas se encontram prontas e acabadas, em que nada muda, em que nada se relaciona, em que nada se cria. A origem não pode descansar no sétimo dia, a não ser que a realidade deixe de ser dinâmica, e sabemos que ela não o é. O nada, como origem, não é um outro lugar nem é a soma de tudo, mas é aquilo que, em cada ente – e não só nos homens – vige como condição de possibilidade da mudança, das relações, da criação.

Harry Haller, porém, segue vivendo, como se encontrasse a justificativa de sua vida miserável nos momentos de entrega ao dionisíaco, em que a natureza soluça “por seu despedaçamento em indivíduos”[16]. É nesses momentos, em que lobo e homem parecem se harmonizar na dissolução de suas fronteiras, que encontra Harry sua provisória paz. No entanto, há muito que se questionar. A natureza, ou ainda, se desconsiderarmos a problemática do próprio termo, a realidade, pode ser meramente uma instituição despedaçada em constituintes indivíduos? Seria a realidade total mera soma de suas partes (individuais, sofridas...)? Qualquer um que observar o brotar de uma flor, o germinar de um grão, o crescimento da barriga da mulher grávida ou da loba prenhe terá nestes a prova irrefutável de que a soma dos entes pensados estaticamente não resulta na realidade. A própria admissão da possibilidade de um Uno-primordial por Nietzsche já indica que seu pensamento se encaminha para isso. Contudo, ao localizá-la na experiência artística, exclui-se toda a força de possibilização de movimento das experiência humana não-artísticas, sejam elas o trabalho, o cálculo, a alimentação, a caminhada matinal no calçadão da praia.

A operação da obra de arte sobre nós é algo inegável. Talvez ela guarde resquícios fortíssimos daquilo que um dia foi nossa experiência do divino cotidiano ao nosso redor prévia ao deslocamento que colocou Deus no céu e nós na Terra e dividiu a realidade entre aparente e essencial. Essa experiência, contudo, parece perdida e esquecida para grande parte de nós na maior parte do tempo. Platão já parece tê-la esquecido ao expulsar os poetas da cidade ideal, em que a transcendência da aparência em prol do alcance das idéias só era possível através do inteligível, cognitivo. Transferir a experiência da transcendência do inteligível para o estético, no entanto, ainda que um movimento generoso e uma grande investida na tentativa de se lembrar da poderosa fonte inesgotável que foi deixada para trás quando Deus sentou para descansar, é apenas uma inversão um tanto pirracenta. Apesar de deslocar o foco e inverter a valoração de arte e pensamento já tão arraigada em nosso modo de pensar, não atenta ela para a dinâmica entre arte e pensamento, e, ainda de modo mais grave, mantém o Deus, o nada, a origem, descansando no sétimo dia, distante da realidade que, nesse modo de pensar, não deixa de ser aparência por oposição à essência.

A força misteriosa que habita aí – no constante renovar-se – não se trata de um princípio transcendente alcançado em momentos específicos, mas da motivação da pergunta que dicotomia nenhuma sabe responder: o que é isso de onde, ainda que não cesse de porvir, nunca se esgota o brotar? O próprio Harry Haller nos mostra isso em seu “Manifesto do lobo da estepe”: “Pois não há um único ser humano, nem mesmo o negro primitivo, nem mesmo os idiotas, que possa ser explicado como a soma de dois ou três elementos principais”[17]. Mais que isso, é possível questionar: que Uno-primordial é esse que se alcança em uma ou outra experiências mas, quase sempre, encontra-se desvinculado de nossa experiência humana cotidiana da realidade? Se o permanente brotar – no homem ou não – tem origem nesse Uno-originário, como pode ser que esse só se faça presente sob certas condições, mas, de um modo geral, não seja perceptível pela maioria dos mortais na realidade à sua volta? Haveria então uma seção estática e outra dinâmica na realidade? Assim fosse, teríamos, de um lado, pedras, montanhas e tudo aquilo que chamamos de firme e imutável e, de outro, plantas, animais, homens, aqueles que nos habituamos chamar seres-vivos sujeitos ao movimento de vida e morte, criação e destruição? Alguma das duas é tão dinâmica que independa das outras em seu movimentar-se? Alguma das duas é tão firme que resistisse impassível a séculos de ação de tempestades, tornados e terremotos?

Terceira incursão

Aproximamo-nos afinal do último momento de nosso ensaio: aquele em que esperamos concluir nossas idéias e definir nossos caminhos. Talvez – e é aí que devemos depositar nossas esperanças – nos frustremos nesse propósito. A entrada de Harry Haller – e também a nossa – no Teatro Mágico está mais próxima a cada palavra. Isso não se faz, no entanto, sem alguma preparação.

Já passamos por dois momentos: o primeiro deles desenvolveu a posição de Harry Haller entre natureza e civilização, impulso e frustração. Rebatemo-lo ao perceber que a divisão é artificial, tributária de um pensar pouco cuidadoso. Pode-se opor aqui, no entanto, quem perguntar: mas qual o problema de uma divisão artificial quando se questiona justamente o pensamento que separa o artifício da natureza? A resposta se esconde no segundo momento de nosso texto: não há nada tão simples que se reduza à mera soma de dois elementos

Nossa divisão bipolar entre natureza e civilização só pode ser seriamente considerada se tentarmos não as ver como conceitos estanques. É necessário dinamizá-las e aproximá-las, do mesmo modo que busca Harry Haller fazer. Mas como livrar da poeira duas palavras por tanto tempo mantidas em estaticidade no nosso pensamento? O modo dinâmico da língua grega, originária na medida em que pensa a realidade no movimento de criação e destruição, presença e ausência, desvelar e velar, nos aponta um caminho. Diz ela: phýsis e pólis, como mencionamos anteriormente. Pouco teríamos a aprender, porém, a partir da mera exposição dessas palavras.

Phýsis não é simplesmente o lugar onde não mora o homem, por oposição à cidade. Não é o lugar dos perigos, das ameaças do desconhecido. A palavra fala do próprio modo de agir do real, o movimento de constante brotar da origem que nunca se esgota. A partir daí, vemos que não está ela distante do homem civilizado, mas sim agindo nele e com ele enquanto é ele mesmo processo de recriação e descobrimento de si próprio.

Pólis, por outro lado, é “o pólos, o pólo, o lugar ao redor do qual cada coisa que aparece para os gregos como um ente gira de um modo peculiar”[18]. Desse modo, antes de ser res publica, a coisa que serve os interesses do povo, do homem, com suas estruturas legais e políticas ­na forma em que os romanos as desenvolveram e se apresentam a nós nos estados modernamente constituídos, era ela o lugar de acontecimento e surgimento em que homem e natureza não somente co-habitam, porque não se distinguem, já que ele dela faz parte. Antes de ser civilização, dominação, coerção, a pólis é o pólo em que convergem os descobrimentos da phýsis na própria história do homem. A maneira como se separaram esse pólo em que os desvelamentos de homem e natureza convergem e a fonte do desvelar-se é o próprio modo em que se formou a bipolaridade de nosso pensamento contemporâneo sobre nós mesmos e a realidade.

Parece aqui que nos afastamos de Harry Haller e sua experiência ao nos deslocarmos a colocações sobre o pensamento grego. Qual a contribuição que estas têm a fazer em nossa compreensão de O lobo da estepe? A mútua referência existente entre phýsis e pólis é a mesma mostrada a Harry Haller quando lhe dizem que não há dois Harrys entre lobo e homem, mas múltiplos. A possibilidade da multiplicidade é a própria doação da realidade em seu dinâmico brotar que se coloca nas relações do homem com a realidade, de homem com homem, de coisa com coisa, que não se encaixa em estruturas binárias pré-estabelecidas porque não é estruturado. Mas de onde vem esse brotar eterno? Não desistamos ainda: o que acontece aqui é nossa preparação para entrada no Teatro Mágico. Não cabe aqui, contudo, criar esperanças elevadas. É bom saber desde já que, uma vez lá, nada encontraremos, e esse nada é justamente a substância do Teatro Mágico.

Sem precipitação, voltemos: a divisão natureza-civilização acaba de ser por nós, se não abandonada, ao menos repensada. Como fazer o mesmo com os princípios dionisíaco e apolíneo? Já aprendemos que os binarismos são simplificadores. Mas o que simplifica essa divisão? A idéia de opor a dissolução com o uno-primordial à diferenciação do indivíduo se firma sobre solos pouco firmes quando nos lembramos do constante surgir da realidade. Como pode o uno-originário, a origem perene, ser algo distante e inaccessível se o sentimos agir sobre nós a cada instante de mudança, reinvenção, e abandono de nós mesmos? Como podemos abandonar esse binarismo estético e nos encaminharmos ao Teatro Mágico? Talvez seja necessário passar por uma preparação tal qual fez Harry Haller.

No dia em que recebe o “Manifesto do lobo da estepe”, vê Harry em uma parede de pedra um letreiro colorido de difícil leitura, que diz: “Teatro Mágico, entrada só para os raros, só para os raros, só para loucos”[19]. Algum tempo depois, conhece Hermínia, a bela garota que constitui sua aparente salvação. No entanto, ela lhe avisa que ele terá que se apaixonar por ela para por fim matá-la[20], pois ela, como um espelho dele, também deseja a morte, também é insatisfeita, também é infeliz. Harry aceita o pedido mais pelo interesse em Hermínia do que pelo apreço pela idéia. Pergunta-se, no entanto, em meio à sua angústia e ansiedade, se afinal ela o ensinará a viver ou a morrer[21]. Não chega de fato a se resolver entre um e outro. Pouco entende ele que a experiência da vida não nega a experiência da morte, mas nela se encontra entranhada. Aprenderá mais tarde o quanto de si é necessário deixar que morra para poder mais uma vez – e mais uma vez e infinitas vezes – ressurgir.

Hermínia, seu elo com o mundo do qual se sente desconectado, o conduz por uma espécie de educação. Quer que Harry aprenda a dançar, ouvir música em gramofones e apreciar uma série de coisas que ele considera modernosas e detestáveis. Junto a ela, aparecem as figuras de Maria, a bela prostituta que seduz Harry sob orientação de Hermínia, e Pablo, o saxofonista que o fará repensar o que entende por música.

Aos poucos, descobre ele que ainda é possível amar, e se entrega a Maria, sem perder de vista, contudo, que afinal será de Hermínia. Pablo, por outro lado, quase sempre se nega a discutir música com Harry, e, quando o faz, critica seu ponto de vista por o considerar excessivamente teórico e distanciador da música ela mesma. Pablo nos traz a possibilidade de vivência da música não como conjunto de técnicas e estruturas analisáveis, objeto de estudo, classificação e juízo. O que Harry aos poucos percebe é que a música – seja ela jazz ou Beethoven, ao vivo ou em gramofone –, é movimento junto do qual o homem se revela em suas possibilidades. A dança, que aos poucos treina com Maria e Hermínia, tira-o da vida contemplativa e erudita e o joga no turbilhão do apropriar-se daquilo que se lhe apresenta no constante movimento de doação da phýsis. Ao dançar, Harry consegue se livrar de seus preconceitos, suas etiquetas, para vivenciar o vigor de silêncio e som da música e de si mesmo em estaticidade e movimento.

Temos aqui a composição da tríade que o acompanha até o final do romance: Maria, Pablo e Hermínia. Maria lhe mostra as possibilidades da paixão, Pablo lhe mostra como a música, além de objeto de estudo, é algo com o qual e no qual acontece o homem na manifestação de seu próprio ser poético. Hermínia ensina-lhe as possibilidades do amor, da arte (na dança) e da morte. Mas o que são estas três dimensões?

Harry Haller, rabugento, não admite se apaixonar; acha-se velho. Ao mesmo tempo, tem ojeriza pela música de seu tempo, recusando-se a ouvir qualquer coisa diferente de seus ídolos da música erudita. Hermínia conjuga essas duas experiência e às duas adiciona a experiência fundamental da morte. O que essa morte diz, no entanto, é algo diferente da morte final com a qual estamos habituados a pensar. A morte, como Harry Haller a está descobrindo, é a experiência humana que, inseparável da possibilidade de criação e surgimento, nos conduz ao morrer, ao esquecer, ao se distanciar do que deixa de nos ser próprio.

Essas três dimensões se reúnem em duas para afinal serem uma só. As aprendizagens de Harry Haller sobre amor e sobre arte são a mesma, ainda que se direcionem a coisas diversas: é a aprendizagem do reconhecer-se e reconhecer, em cada ente – seja ele humano ou não – a infinita possibilidade do mútuo pertencer e apropriar-se em que observador e observado ou amante e amado não são sujeito e objeto, mas participantes do mútuo descobrir-se e desvelar-se na incessante dinâmica em que se doam as possibilidades de cada um vir a ser o que é. E essas possibilidades, aqui, não são proporcionadas por uma entidade divina ou um uno-primordial distanciado, mas pelo próprio movimento que cada um de nós faz de viver na tensão entre o que se é e o que não se é enquanto negatividade criadora. A aprendizagem da morte, por outro lado, é aquilo que, junto com a dinamicidade do desabrochar inesgotável, nos introduz no mistério do murchar, do perder, do abdicar. Não é necessariamente o negativo que devemos evitar, até porque inevitável; trata-se, antes, do natural enrugar-se de nossa pele, esquecer-se do passado, deixar para trás o que não mais faz parte de nós – mas que pode sempre voltar a ser, porque dinâmico.

Essas duas aprendizagens – do brotar e do murchar, do desvelar e do velar, do descobrir e do cobrir – se reúnem na aprendizagem do mistério: aquilo que, em habitando cada ente – homem ou coisa – não o habita. Não o habita porque ainda não é e não o habita porque já deixou de ser. Aqui, passado e futuro deixam de ser dimensões lineares, mas os movimentos do real dando-se e retraindo-se simultaneamente. Trata-se, propriamente, do ser e não-ser do qual tomamos consciência na medida em que percebemos o real – e nós dentro dele e como ele – em seus movimentos da vida que não se opõe à morte, mas se encontra no intenso vir a ser e deixar de ser próprio a tudo que é real.

Harry Haller adentra o Teatro Mágico, o “lugar surreal”, como o chama Ivo Barroso. Pensemos: o que é surreal? Seria aquilo que se caracteriza por se encontrar acima do real, além do real. É algo semelhante ao que chamamos de sobrenatural, no sentido de algo que extrapola os limites da nossa realidade. Tal definição só se sustenta se a nossa realidade tiver limites, se pensarmos o real como algo pronto, em que tudo já se encontra dado e finalizado, garantido em seus limites, objetificado pelo rigor analítico ou científico. Escutando atentamente os apelos do real ao nosso redor, percebemos que essa delimitação se esquece do caráter renovador do real, que inclui sempre não só o que já é, o já realizado, mas também o que virá a ser e ainda o que nunca virá a ser: a origem, o mistério eles mesmos.

A partir do momento em que adentramos essa nova compreensão do real que, aliás, não o compreende, porque se dispõe a enxergar o incompreensível do mistério, podemos nos livrar de conceitos de surrealidade. A realidade em si contém o surreal porque não se prende aos parâmetros nos quais a estaticidade de nosso pensamento a pretende enquadrar. O Teatro Mágico, justamente, é o lugar em que Harry Haller aprenderá a se envolver na doação da vida a seu redor que nunca cessa de lhe proporcionar nova experiência, porque é sempre vida nova.

Uma vez no Teatro Mágico, que,aparentemente, não é mais do que um teatro em formato de ferradura, Pablo lhe mostra um espelho em que aprende a se desligar do lobo da estepe, o aparente superego repressor, ainda que temporariamente, ao enxergar uma multiplicidade de Harrys. Ele se vê jovem, velho, feliz, triste...: milhares de imagens de si no mesmo espelho simultaneamente. Ao se livrar da dicotomia, aprende Harry a multiplicidade de seu próprio ser, que não é apenas dois, mas múltiplos, porque carrega consigo tudo aquilo que ele já foi e bem como tudo o que pode vir a ser. Como podemos nós aprendê-lo?

Não temos aqui um caso de esquizofrenia. O homem multiplicado não é apenas uma série de Harrys, mas a imagem-questão que questiona: quantos eus posso ser? Será isso algo da ordem do contável? Serei eu apenas dois? Sabemos que não: O Teatro Mágico, o lugar onde Harry e nós nos deparamos com inúmeros eus, inúmeras portas, inúmeros caminhos de auto-descobrimento de si mesmo junto às infindas possibilidades da realidade, é indicador, em primeiro lugar, da presentificação e apropriação que Harry faz de seu passado tornado presente. Ao entrar em portas em que experiencia a guerra ou os amores de sua vida, toma consciência da dinamicidade através da qual seu passado, ainda que esquecido e latente, faz parte de si e é algo do qual não pode se desvincular, pois, ao tornar-se presente na memória, modifica o que ele atualmente é. Além disso, ao se olhar nos espelhos, os múltiplos Harrys que logo depois se tornam peças de xadrez dadas à incontável reorganização, vemos que Harry não é nem dois nem um que decide subjetivamente sua vida, mas o homem habitante do teatro como aquilo que compreendemos na etimologia como a presença de Theá, a deusa, a divindade. Aquele que vai ao teatro não é mero espectador, mas aquele que, na estupefação da ação, se dispõe a ver o divino de cada ente como a dinamicidade e possibilidade do movimento de recriação de si mesmo em que espectador e peça acontecem juntos na tensão de identidade e diferença da descoberta daquilo que cada um é.

Homens, nós, não somos frustrados pela civilização ou pela separação do uno-originário. Nossa dor, a dor de Harry Haller, é a dor dos esquecidos da vida inevitável e incessantemente misteriosa, cujo mistério não é algo que um sujeito decide por esconder, mas a parcela de cada um que não se sabe porque ainda não é e, no grande mistério, ininterruptamente vem a ser, vem a ser, vem a ser, está vindo a ser nesse exato instante e de novo e novamente e de novo. Harry Haller, ao descobri-lo, mata Hermínia, aquela que com ele tanto parecia, seu amor, e com ela morre mais um pouco. Seria fácil enxergar a morte aqui como mera ficção e “surrealidade” e nos livrarmos do trabalho de pensá-la, já que o texto indica que Hermínia não morreu de fato, mas apenas na experiência reservada do Teatro Mágico. Perderíamos, contudo, a perspectiva fundamental da parcela do próprio de cada um – Harry Haller, Hermínia, homens – que é abandonada e cuja morte só nos resta aceitar quando não nos tomamos por sujeitos próprios e conquistados prontos. A “variedade infinita do jogo da vida”[22] que é nosso dever e nossa salvação conquistar, mais do que a construção de nosso destino, é a lembrança de que vida e morte, presença e ausência, mundano e divino, estão em nós, ao nosso redor, no velar e desvelar, cobrir e descobrir de todo amor, toda arte, toda vida. A partir do momento em que nos apercebemos da nascentividade própria a tudo aquilo que é junto à sempre possibilidade de deixar-se de ser na dança entre Harry e Hermínia, entre nós e nós mesmos, o resto é caminho.


Bibliografia

FREUD, Sigmund. “O mal-estar na civilização”. In: Os Pensadores – Freud. São Paulo, Abril Cultural 1978.

HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Petrópolis, Vozes 2008.

_____. “O tempo da imagem do mundo”. In: Caminhos de floresta. Coimbra, Calouste Gulbenkian 2002.

HESSE, Hermann. O lobo da estepe. Rio de Janeiro, Record 2007.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo, Companhia das Letras 1992.



* Originalmente publicado na Revista Tempo Brasileiro, número 171, 2007.

[1] As aspas são aqui usadas para denotar que a palavra “filosofia” é tomada em seu sentido corrente.

[2] HESSE, 2007, p. 9

[3] HESSE, 2007, p. 38.

[4] FREUD, 1978, p. 170.

[5] HESSE, 2007, p. 52.

[6] Filme dirigido por Kevin Costner, em 1990. No original, Dances with wolves.

[7] HESSE, 2007, p. 74.

[8] HEIDEGGER, 2008, p. 68

[9] NIETZSCHE, 2006, p. 18.

[10] HESSE, 2007, p.40.

[11] HESSE, 2007, p.40.

[12] NIETZSCHE, 2006, p. 30.

[13] NIETZSCHE, 2006, p. 30.

[14] NIETZSCHE, 2006, p. 41.

[15] NIETZSCHE, 2006, p. 36.

[16] NIETZSCHE, 2006, p. 34.

[17] HESSE, 2007, p. 68.

[18] HEIDEGGER, 2008, p. 132.

[19] HESSE, 2007, p. 43.

[20] HESSE, 2007, p. 123.

[21] HESSE, 2007, p. 117.

[22] HESSE, 2007, p. 208.